15 de jan. de 2011

O caso da cabutcha

- Abóbora cabutcha na sopa? Que nojo! Aposto que isso é coisa da sua mãe.

Típico domingo. O dia sagrado quando, mesmo depois de toda uma semana chuvosa, fazia sol.  Neste, no entanto, chovia. Deveriam ter entendido o sinal de atipicidade logo no começo. Mas isso não aconteceu. 
Acordaram cedo, como ditava a tradição e saíram com dois dos filhos para comprar as coisas pro almoço. A ele, obviamente, não lhe agradava levar as crianças, visto que elas faziam a conta pelo menos 30 reais mais cara.
- Aonde vamos hoje? – perguntou o pai, disposto a agradar.
- Pode ser na feira mesmo, vamos comprar só alguns legumes e fazer uma sopa, já que está frio. – respondeu a mãe, de forma simples.
- Eu vou querer comer pastel – havia empolgação na pronúncia de cada palavra dita pelo garoto de 10 anos, que amava os domingos.
A irmã mais velha que não gostou muito da idéia, sugeriu que fossem ao supermercado.  –... porque na feira não tem mussarela e eu quero fazer um canelone pra gente.
- Ok, vamos ao supermercado então.
E foram todos rumo ao supermercado. Quando chegaram lá, o estacionamento estava lotado e o interior do local parecia um formigueiro. Decidiram ir a outra unidade da mesma rede. Mais atipicidade e, mesmo assim, continuaram brincando com a sorte. Pobres mortais...
Chegaram ao supermercado que, embora cheio, ainda tinha vagas no estacionamento. Não por ter menos pessoas, mas por ser maior.
- O que é que esse bando de desocupados vem fazer num supermercado domingo de manhã? Ainda mais um chuvoso desses, bom pra dormir. – a garota, que odiava locais lotados, estava indignada.
- Comprar mussarela pra fazer canelone. – respondeu o irmão.
- Mas eu só acordei porque VOCÊ estava fazendo barulho na porta do meu quarto, insuportável.
- Eu vou jogar os dois pela janela. – ameaçou a mãe.
- O carro está parado mesmo... – respondeu o garoto.
A mãe apenas respirou fundo, abriu a porta e saiu do carro. Assim como os outros integrantes da família, que correram até a parte coberta, a fim de se livrarem da chuva fria.
Foram direto para a parte de hortifruti, que se encontrava estrategicamente posicionada ao lado dos refrigerados. Os filhos foram procurar a mussarela e os pais, os legumes. Quando mãe e filha se cruzaram, a mãe disse que os vegetais não estavam muito bons, então ela os compraria na feira. A filha, que já estava a ponto de enlouquecer com o movimento, quis ir embora logo, pois não enfrentaria a fila gigante só pra comprar a mussarela. Só não lhes digo que saíram como entraram porque estavam todos ao menos uma pitada mais estressados. Com exceção da criança, claramente.
A garota, que estava mais apressada para sair, ia na frente abrindo caminho entre as centenas de pessoas que se encontravam amontoadas em frente aos caixas.  E amaldiçoava cada um dos velhos baixinhos gordos e carecas que olhavam para o outro lado só para se pouparem do esforço de abrir caminho. Em meio à confusão, o pai cutucou a filha, que impacientemente olhou pra trás, com uma interrogação no rosto.
- Você gosta de abóbora cabutcha, não gosta, filha? – perguntou o pai.
A garota, estressada e sem entender nada, só disse que sim com a cabeça. O pai sorriu satisfeito para a mãe que odiava a abóbora em questão. 1 x 0 para o time dos homens.
 Não precisaram correr até o carro, pois a chuva havia cessado. No entanto, as coisas não estavam nem perto de ficarem normais. Ainda estava nublado. A caminho da feira, a mãe perguntou:
- Gente, o que vocês querem que eu coloque na sopa?
- Ah, mãe, o de sempre. Batata, cenoura, batata doce, sei lá. Tanto faz. 
- e abóbora cabutcha - cutucou o pai.
- Abóbora cabutcha na sopa? Que nojo! Aposto que isso é coisa da sua mãe. 1x1
Os filhos se olharam com uma espécie de cumplicidade. Já sabiam o que acontecia quando a mãe resolvia citar a avó.
- Pelo menos meus irmãos são honestos. – respondeu o pai. 2x1
- Honestos? Mas não tem nenhum que se disponha a cuidar da sua mãe. A coitada tem é que ficar com a nora. 2x2
- Sim, honestos. Nunca roubaram nada que é meu. 3x2
- E os meus roubaram, por acaso? Já te falei que odeio esses assuntos de herança e aquilo não era nada meu. Nunca trabalhei por aquelas coisas. 3x3
- Nossa, quanta harmonia! Nada melhor para alegrar minhas manhãs de domingo. – interrompeu a filha, antes de a briga fosse longe demais.  Mas parece que ela já havia ido. E então um silêncio absoluto reinou no carro. Nem o garoto que gostava tanto de falar se atreveu a quebrá-lo. Voltou a chover.
O jogo ficou empatado por mais ou menos dois dias. A mãe mudou-se para o quarto de hóspedes durante esse tempo. Voltaram a se falar depois, como sempre. E ninguém jamais se atreveu a entrar com uma cabutcha dentro de casa depois do ocorrido. Salvo nas festas de haloween.    

1 Mississipi:

Bruna Pedrosa disse...

Me fez recordar algumas coisas haha, muito bom!