As palavras não saíam, e nem era necessário que o fizessem, pois o olhar amarrotado dizia tudo. Disse que sentia muito e que, se houvessem condições, ficaria ali por muito tempo e que faria de tudo para que esse muito tempo fosse tão bom que parecesse pouco. Disse que não podia mudar o rumo da vida e que se pudesse, faria um laço unindo-nos até ficarem velhinhos, ambos em suas cadeiras de balanço esperando tranquilos pela inevitável sombra da morte. E seriam tão unidos, que quando um morresse, o outro não se adiaria. E morreriam felizes, pois tinham um ao outro, haviam vivido bem e tido felicidade além da cota reservada aos mais puros mortais. Viriam filhos, netos e quem sabe, bisnetos. Teriam um cachorro e dois gatos, que dormiriam juntos e cuidariam uns dos outros. Ficariam doentes, viajariam pelo mundo, jantariam juntos e, mesmo que a artrite dificultasse, ele puxaria a cadeira para ela sentar-se e abriria a porta do carro, assim como ditam as leis do cavalheirismo. E ele lhe diria todos os dias que ela está mais linda do que ontem e a conquistaria a cada amanhecer. Assistiriam crepúsculos inanimados como quem assiste maravilhado a um musical Florence. Colecionariam cartões postais e jamais um deles dormiria no sofá. Compararia o brilho dos olhos dela ao da lua e diria as mais belas frases de amor. Seriam amantes à moda antiga, viveriam além da vida.
Disse tudo isso calado, com a voz do olhar que tentava esforçadamente definir-se por trás do brilho salgado da lágrima que lhe cobria o olho direito. O olhar mais sincero que ele já dera a alguém, numa caixinha de jóias. Era um olhar de diamante. E então ele fechou os olhos. Levantou e viu-se no severo asfalto onde há pouco caíra junto à moto que ainda nem terminara de pagar (e pelo visto nem terminaria). Olhou por um momento para o próprio corpo estendido no chão e, mesmo sabendo que ela não sentiria, a abraçou pela última vez. Ela encolheu-se num suspiro arrepiado. Uma lágrima caiu do olho pequeno, anunciando as muitas outras que viriam posteriormente. E o rapaz partiu de encontro ao infinito que as pessoas encontram depois da vida, se é que encontram.
Luz
0 Mississipi:
Postar um comentário